Wanderson Lana¹
Performance é aquilo que não foi nomeado, que carece
de uma tradição, mesmo recente, que ainda não tem lugar nas instituições. Uma
espécie de Matriz de todas as artes.
Jocken Gerz
Sábado à noite na Praça Popular na
capital Mato-grossense que de popular o espaço tem pouca coisa. Com bares e
restaurantes que investem na gastronomia e no entretenimento, os valores
praticados não leva em consideração a possibilidade de receber todos os públicos.
Dessa forma, a Praça Popular é um espaço onde a classe média cuiabana vai se
divertir.
Formado, por várias ruas e uma praça
que se apresenta de maneira quase obscura e desabitada, o ambiente encontra
fervor dos bares que ocupam várias esquinas e nome praça acaba por ganhar
contornos do grande espaço formado pelos comércios e não necessariamente pela
praça desabitada nas noites de festejos. Talvez por ser o único espaço popular
– onde não se cobra estacionamento, taxas e “cover” – o abandono e isolamento
seja característico.
E foi nesse espaço de abandono, no
coração da boemia cuiabana, que surge a performance “Espaço para apedrejar”
organizado por atores e performances de Cuiabá e de outras cidades de Mato
Grosso dentro do projeto “100em1dia Cuiabá”. Os processos de uma performance
são organizadas através de um programa e não uma dramaturgia pré-estabelecida
ou, até mesmo um jogo de improvisação como sugere Eleonora Fabião em sua
obra Performance
e Teatro: Poéticas e Políticas da Cena Contemporânea (2009).
Chamo as ações performativas
programas, pois, neste momento, esta me parece a palavra mais apropriada para
descrever um tipo de ação metodicamente calculada, conceitualmente polida, que
em geral exige extrema tenacidade para ser levada a cabo, e que se aproxima do
improvisacional exclusivamente na medida em que não seja previamente ensaiada.
Performar programas é fundamentalmente diferente de lançar-se em jogos
improvisacionais. O performer não improvisa uma idéia: ele cria um programa e
programa-se para realizá-lo (mesmo que seu programa seja pagar alguém para
realizar ações concebidas por ele ou convidar espectadores para ativarem suas
proposições).
(FABIÃO, 2009, p. 03)
Eleonora Fabião parte dos estudos de
Deleuze e Guatarri (1999) “Como Criar Para si um Corpo sem Órgãos” onde é
apresentado o termo programa como o
“motor de experimentação”. Assim, para Fabião, “Um programa é um ativador de experiência” (2009, p.03). Fazendo um
paralelo com a proposta da ação 100em1diaCuiabá é possível percebê-lo como um
grande ativador de experiência. Reuniões e organizações foram feitas e
cronogramas criados, mas a potencia tomada pelas ações que o compunham se
revelaram apenas na realização de suas ações. Existiu um programa, o ativador,
mas a experiência só pode ser mensurada através da própria experiência.
O programa da performance “Espaço
para Apedrejar” constituía-se em travestir-se – tanto homens como mulheres – circular
pelo espaço delimitado no chão – um retângulo com a possibilidade em abrigar
até 10 pessoas – e em determinado momento ficar imóvel devido às piadas
homofóbicas que começam a tocar no som acompanhadas de sorrisos gravados. À
frente do retângulo onde circulam os performans, amontoados de frutas podres
que sugerem às pessoas, que circulariam pelo ambiente, a possibilidade de
transformar em ataque o preconceito, atirando-as nos corpos trans que sorriem e
conversam muito numa ode de felicidade. Além disso, o encontro era presenteado
com um churrasco de “maminha na manteiga” e “linguicinha”
A Praça Popular, pode ser quase
entendido pela comunidade LGBT como Friendly que são espaços frequentados por heterossexuais, nos quais homossexuais são bem
vindos (Simões, França, 2005). “Quase entendido” pelo fato de bem-vindo
poder ser substituído por “tolerado”. A Praça popular é um espaço frequentado
por heterossexuais onde homossexuais são tolerados mediante à um comportamento adequado
para os héteros do espaço.
Foto:
Amilton Martins, Praça Popular, 2016
O que poderia apresentar-se como um
espaço para fisicalidade da homofobia e/ou da transfobia, se fortaleceu como um
espaço protegido de qualquer austeridade. Um gueto fisíco e intelectual se formou e todos podiam caminhar
protegidos.
O termo gueto é geralmente utilizado
para definir a área de uma cidade ocupada por grupos de religião e
nacionalidades minoritárias, termo de origem europeia surgido em decorrência do
antissemitismo nazista. Hoje, gueto dá conta de espaços onde grupos
minoritários são forçados a viver ou decidem viver para se sentirem seguros. O
que temos na performance “Espaço para apedrejar” é o grupo que se fortalece em
quantidade e em discurso dentro de um ambiente escuro e afastado dos outros
espaços da região da praça, onde as discussões homoafetivas não só acontecem,
como faz aproximar apenas pessoas que tenham opiniões semelhantes e que
pertençam ou são interessadas nas demandas das minorias.
gueto
é importante na medida em que proporciona um ambiente de contatos no qual as
pressões da estigmatização da homossexualidade são momentaneamente afastadas ou
atenuadas. Nessas condições, o “gueto” não somente amplia a oportunidade de
encontrar parceiros e viver experiências sexuais, mas também pode contribuir
decisivamente para reduzir os sentimentos de desconforto e culpa em relação à
própria sexualidade, reforçar a auto-aceitação do desejo e, eventualmente, a
disposição para “assumi-la” em âmbitos menos restritos.
(SIMÕES e FRANÇA, 2005)
Hoje, outras palavras substituem gueto como o termo meio, mas dizem respeito a mesma condição de proteção. Se ainda há
luta para que esses espaços não sejam necessários, pois evidenciam ainda a
grande potencia homofóbica existente na sociedade, os guetos se apresentam como possibilidade de segurança para que
transeuntes não atirem frutas podres plantadas na potencia do corpo alheio.
A comunidade homossexual tem um
programa construído para viver todos os seus dias numa performance em que não
se pode perecer, independente se são tomates, lâmpadas, carros, que são
atirados. Estar junto ainda é uma maneira de estar seguro.
Referências:
AQUINO, Fernando; MEDEIROS, Maria
Beatriz de (Org.). Corpos Informáticos. Performance, corpo, política.
Brasília: Editora do Programa de Pós Graduação em Arte, UNB, 2011.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Vol. 3. São Paulo: Editora 34, 1999
DELEUZE,
Gilles. Espinosa, filosofia prática. São
Paulo: Escuta, 2002.
FABIÃO, E. Performance e teatro: poéticas e políticas da
cena contemporânea. In. Sala Preta, Revista do Programa de Pós-graduação em
Artes Cênicas da ECA-USP, n. 8, 2008
FRANÇA, Isadora Lins; Sobre
“guetos” e “rótulos”: tensões no mercado GLS na cidade de São Paulo: Cadernos Paguu: Campinas, 2007
GLUSBERG,
Jorge. A arte da performance. 2. ed. São Paulo, Perspectiva, 2009
SIMÕES,
Júlio Assis Simões e FRANÇA, Isadora Lins; Do
“gueto” ao mercado. Academia.EDU, 2005.
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¹ Wanderson
Alex Moreira de Lana é Ator, Enecenador e Dramaturgo. Graduado em História e
Especialista em História da América Latina Contemporânea pela UFMT. Meste em Estudos de Cultura Contemporânea pela UFMT e Doutorando
em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO/UFMT
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