LAZER NA
CIDADE, UMA INTERVENÇÃO URBANA NO CENTRO GEODÉSICO DA AMÉRICA DO SUL.
Allan Kardec
Pinto Acosta Benitez
O presente trabalho tem por objetivo apresentar as
impressões colhidas a partir de uma intervenção urbana no âmbito do lazer na
cidade, cuja ação foi realizada no dia 03 de abril do presente ano, em frente à
Câmara Municipal de Cuiabá, na Praça Paschoal Moreira Cabral, Centro Geodésico
da América do Sul, a ação fez parte de uma das cem atividades desenvolvidas
neste dia.
O programa de Pós-Graduação
em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO/UFMT realizou, entre os dias 02 a 07 de abril de 2016 o
projeto Cidade Possível – e, exatamente no dia 03 de abril aconteceu a programação denomidada 100 em 1 Cuiabá. A ideia é fomentar o diálogo a fim de encontrar
caminhos para a melhoria da cidade, promovendo a união entre a universidade,
sociedade civil e artistas da capital.
O Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte, Cultura e
Sociedade – GEPECS realizou, em frente à Câmara Municipal de Cuiabá, região central
da cidade, atividades de lazer esportivo, oferecendo durante uma manhã de
domingo, atividades de vôlei de rua, basquete, mini futebol, lutas e momentos
de reflexão sobre os espaços urbanos de lazer no tempo presente.
A necessidade de se pensar
sobre outros espaços de lazer na cidade, sua urbanização, possibilidades de
vivências sociais e afetivas, sua condição ambiental, seus traços culturais, seus
espaços público de lazer foram ajustados de acordo com o estilo de vida atual
dos que nela abitam. As cidades, por esse caráter concentrador, acumulam
problemas e soluções; atraem, expulsam e segregam os indivíduos segundo a
lógica que impõe a produção, a circulação e o consumo com rapidez; o próprio
espaço urbano cresce em ritmo frenético. Nesse processo, moradores e
governantes abstraem a importância de espaços públicos de convivência.
É na cidade, que se vive e se
constata a urgência na democratização do lazer e do acesso à cultura,
MARCELLINO (2006, p. 25) considera que “democratizar
o lazer implica em democratizar o espaço. E se o assunto for colocado em termos
da vida diária, do cotidiano das pessoas, não há como fugir do fato: o espaço
para o lazer é o espaço urbano”.
Com isso, os espaços de
convivência, de manifestações culturais, a própria dinâmica da cidade ficaram
restritos a poucos espaços públicos e a determinados e, pouco acessíveis,
espaços privados e a cidade transformou-se em um ambiente escasso de
possibilidade de relações humanas. Por essas e outras razões, justifica-se a
realização desta intervenção.
O LOCAL DO EVENTO
A cidade de Cuiabá está situada na parte mais
central da América do Sul, exatamente no seu centro geodésico, sendo, portanto
a cidade do coração da América do Sul. A determinação geográfica do exato local onde se
situa o centro geodésico se deve ao oficial do Exército Brasileiro, Cândido
Mariano da Silva Rondon, o marechal Rondon, que em 1909 juntamente
com seu ajudante, o tenente Renato Barboza Rodrigues, através de cálculos
matemáticos, geográficos e astronômicos confirmaram o local conhecido como
Campo d’Ourique, situado a 15º35’56” de latitude sul e a 56º06’55” de longitude
Oeste, tendo sido a localização geográfica reconhecida e confirmada
oficialmente pelo Serviço Geográfico do Exército Brasileiro em 1975.
O Campo d’Ourique era o local em Cuiabá onde
antigamente se castigavam os escravos e também era enforcados os condenados
pela justiça, posteriormente passou a se realizar no local as famosas
“Cavalhadas e Touradas Cuiabanas” como, também, abrigou em seu gramado o
“futebol da gurizada”.[1]
Para marcar o local foi construído ainda no ano de
1909 um marco simbólico de alvenaria pelo artesão Júlio Caetano onde foi
gravado as coordenadas geográficas do local. Mais tarde foi erguido por sobre o marco original
um obelisco de aproximadamente 20 metros de altura todo revestido em mármore
branco.

Este obelisco foi erguido de forma a preservar o
marco original, o qual se encontra hoje protegido por vidros, sendo plenamente
visível. Quando o local ganhou o reconhecimento de
Centro Geodésico da América do Sul, começou-se a vislumbrar a construção da
Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, no ano de 1972. Com a mudança
do poder legislativo para o Centro Político Administrativo, em 2005, o local
passa a sediar a Câmara Municipal de Cuiabá, até os dias atuais, sendo este o
parlamento que reúne os representantes eleitos pelos cidadãos cuiabanos,
responsável por estabelecer as leis que determinam a administração do
município.
O
ACONTECIMENTO
A programação de lazer evolveu mais
100 pessoas, em sua maioria alunos do curso de Educação Física do Univag Centro
Universitário, participaram das atividades de lazer adaptadas, sendo elas:
voleibol, basquetebol, futebol e lutas. As adaptações feitas possibilitaram
transformar o espaço de jogo, readequação dos seus aparatos como: diminuição da
altura da rede de voleibol, da tabela de basquetebol, as traves do futebol
foram constituídas por objetos que serviram de marcação como garrafas pets e o
tatame – área para a prática da modalidade lutas, foi diminuído e organizado
com placas de material sintético.




“Encontramos o jogo na cultura, como um
elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a
desde as mais distantes origens até a fase de civilização em que agora nos
encontramos”. (HUIZINGA, 1980).
As atividades de lazer
esportivo foram traduzidas em jogos e lutas, onde constituiu regras de tempo e
de pontos, assim o participante se torna também o jogador.
Foram escolhidos 15 dos
participantes, a partir da observação da maneira motivada que os mesmos se
envolviam nas atividades, para comunicar verbalmente, através de entrevista, o
sentido que eles atribuíam às atividades tendo como referência uma nova maneira
de se viver na cidade.
As entrevistas foram
registradas por uma câmera que captura imagens e som que registra fotos e vídeos
e depois transcritas para que melhor fosse possível visualizar as informações
prestadas.
E foi através da análise das
falas dos participantes que chegamos a verificação de que é a partir da
vivência interna que se torna possível, sensivelmente, resignificar outros
modos de se viver na cidade.
As informações apontaram, em
sua maioria, que desenvolvendo atividades que promovem situações de prazer, que
não tem outro propósito a não ser o divertimento, é possível melhor sentir-se,
sentir o outro e o que está ao seu redor.
Ah, enquanto eu jogo
eu presto mais atenção em mim mesma, eu não tenho que me preocupar com os
problemas [...] eu consigo até ouvir melhor o meu colega e até entender melhor
ele.[...] Isso pode me ajudar a prestar mais atenção na cidade. (GI, 28 anos)
Então, nessas
brincadeiras agente se diverte, brinca. Pode ficar mais tranquilo, olhar com
mais calma para o dia, pensar melhor na gente, na vida. (CLA, 24anos)
Aqui a gente só pensa
em se divertir, não tem que vencer ou ganhar dinheiro. Então eu pude me
concentrar, acho um melhor estilo de vida. (RO, 27 anos)
[...] eu estudo já
tem quase dois meses com aquele cara ali e nem tinha conversado direito com
ele. [...] durante o jogo, ele estava no meu time, eu até achei ele divertido.
Eu acertei uma bola nele e ele nem me xingou e olha que deve ter doido (MAR, 23
anos)
[... ] É uma atividade muito
importante pois as pessoas podem interagir [...] pode até pensar em uma cidade
onde o próximo pensa no próximo, do jeito que está, está difícil, mas o esporte
aproxima as pessoas. (JOS, 43 anos)
Através dessas falas,
podemos observar, também, a oportunidade de interações sociais, de vivências
afetivas. E sendo o lazer “um conjunto de
ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para
repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para
desenvolver [...] sua participação social voluntária ou sua livre capacidade
criadora [...]” (DUMAZEDIER, 1976, p.34), essas reações/interações podem ser
esperadas nos sujeitos participantes de atividades de lazer.
A participação nas atividades
também trouxe a oportunidade de ocupação de um local público, em um sentido
diferente daquele esperado e previamente determinado para aquele ponto. Visto
que ali situa-se a “casa” que representa o poder legislativo do município,
responsável por elaborar leis e fiscalizar o trabalho do poder executivo da
cidade.
Agente pode ocupar
esse espaço aqui né, que é público [...] eu nem imaginava que dava para fazer
essas atividades aqui. Mas foi bom, né. Dá pra pensar diferente sobre esse
lugar (MAR, 23 anos)
[...]
que eu nunca tinha participado disso, sabe, e assim, [...] eu nunca tinha
imaginado também que poderia, assim, no
meio da cidade, agente podia fechar um espacinho para gente poder tá
participando né, de atividade [...] então assim é uma oportunidade muito boa
que a agente tem e teve e eu acho bem legal. (MA, 25 anos)
Essa ocupação tornou-se significativa a partir do
desafio de revisitar a cidade, conferindo a outros pontos a possibilidade de
realização de atividades de lazer, artísticas, recreativas. E que, assim, seja
possível a revitalização de praças e demais locais urbanos a fim de se
redefinir outro modo de estar na cidade, em uma reapropriação de determinados
espaços urbanos pelos cidadãos, tendo em vista a retomada da utilização dos espaços públicos como forma de melhores condições de vida da
população cuiabana, em que, a partir da ocupação popular desses espaços, surja
o sentimento de necessidade de melhor atenção, cuidado do bem comum, que é a
cidade, partindo, daí, para efetivas representações em ações sociais e
políticas, aumentando a representação popular sobre o espaço urbano.
Referências
Bibliográficos
BOBBIO, Norberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário
de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 11ª ed., 1998.
Vol. 1: 674 p. (total: 1.330 p.)
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976.
FONSECA, Maria de Lourdes Pereira. Padrões sociais e uso do
espaço público Caderno CRH, Salvador, v. 18, n. 45, p. 377-394, Set./Dez. 2005.
GOMES, Christianne Luce. lazer urbano,
contemporaneidade e educação das sensibilidades. Revista Itinerarium v.1 2008. Departamento de Turismo e
Patrimônio – Escola de Museologia – Centro de Ciências Humanas e Sociais Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
http://www.seer.unirio.br/index.php/itinerarium
(acesso em: 16/05/2016)
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva,
1980, p. 4.
[1]“Cronistas
da época asseguram que em 15 de novembro de 1913 foi inaugurado a primeira
praça esportiva como forma de incentivo ao crescimento do esporte na cidade. O
gramado ficava no Campo D’Ourique, onde atualmente se encontra a Praça Pascoal
Moreira Cabral que abriga o marco do Centro Geodésico da América do Sul e a
Câmara Municipal. O futebol começava a desbancar o “esporte” favorito na época,
as touradas cuyiabanas”. (fonte: <http://www.mtnacopa.mt.gov.br/cuiaba/futebol-em-mato-grosso/historia-do-futebol-em-mato-grosso/7571.
Acesso em: 12/05/2016).
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