terça-feira, 12 de julho de 2016

LAZER NA CIDADE, UMA INTERVENÇÃO URBANA NO CENTRO GEODÉSICO DA AMÉRICA DO SUL.

LAZER NA CIDADE, UMA INTERVENÇÃO URBANA NO CENTRO GEODÉSICO DA AMÉRICA DO SUL.

Allan Kardec Pinto Acosta Benitez

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as impressões colhidas a partir de uma intervenção urbana no âmbito do lazer na cidade, cuja ação foi realizada no dia 03 de abril do presente ano, em frente à Câmara Municipal de Cuiabá, na Praça Paschoal Moreira Cabral, Centro Geodésico da América do Sul, a ação fez parte de uma das cem atividades desenvolvidas neste dia.
O programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura ContemporâneaECCO/UFMT realizou, entre os dias 02 a 07 de abril de 2016 o projeto Cidade Possível – e, exatamente no dia 03 de abril aconteceu a programação denomidada 100 em 1 Cuiabá.  A ideia é fomentar o diálogo a fim de encontrar caminhos para a melhoria da cidade, promovendo a união entre a universidade, sociedade civil e artistas da capital. 
O Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte, Cultura e Sociedade – GEPECS realizou, em frente à Câmara Municipal de Cuiabá, região central da cidade, atividades de lazer esportivo, oferecendo durante uma manhã de domingo, atividades de vôlei de rua, basquete, mini futebol, lutas e momentos de reflexão sobre os espaços urbanos de lazer no tempo presente.
A necessidade de se pensar sobre outros espaços de lazer na cidade, sua urbanização, possibilidades de vivências sociais e afetivas, sua condição ambiental, seus traços culturais, seus espaços público de lazer foram ajustados de acordo com o estilo de vida atual dos que nela abitam. As cidades, por esse caráter concentrador, acumulam problemas e soluções; atraem, expulsam e segregam os indivíduos segundo a lógica que impõe a produção, a circulação e o consumo com rapidez; o próprio espaço urbano cresce em ritmo frenético. Nesse processo, moradores e governantes abstraem a importância de espaços públicos de convivência.
É na cidade, que se vive e se constata a urgência na democratização do lazer e do acesso à cultura, MARCELLINO (2006, p. 25) considera que “democratizar o lazer implica em democratizar o espaço. E se o assunto for colocado em termos da vida diária, do cotidiano das pessoas, não há como fugir do fato: o espaço para o lazer é o espaço urbano”.
Com isso, os espaços de convivência, de manifestações culturais, a própria dinâmica da cidade ficaram restritos a poucos espaços públicos e a determinados e, pouco acessíveis, espaços privados e a cidade transformou-se em um ambiente escasso de possibilidade de relações humanas. Por essas e outras razões, justifica-se a realização desta intervenção.

O LOCAL DO EVENTO
A cidade de Cuiabá está situada na parte mais central da América do Sul, exatamente no seu centro geodésico, sendo, portanto a cidade do coração da América do Sul. A determinação geográfica do exato local onde se situa o centro geodésico se deve ao oficial do Exército Brasileiro, Cândido Mariano da Silva Rondon, o marechal Rondon, que em 1909 juntamente com seu ajudante, o tenente Renato Barboza Rodrigues, através de cálculos matemáticos, geográficos e astronômicos confirmaram o local conhecido como Campo d’Ourique, situado a 15º35’56” de latitude sul e a 56º06’55” de longitude Oeste, tendo sido a localização geográfica reconhecida e confirmada oficialmente pelo Serviço Geográfico do Exército Brasileiro em 1975.
O Campo d’Ourique era o local em Cuiabá onde antigamente se castigavam os escravos e também era enforcados os condenados pela justiça, posteriormente passou a se realizar no local as famosas “Cavalhadas e Touradas Cuiabanas” como, também, abrigou em seu gramado o “futebol da gurizada”.[1]
Para marcar o local foi construído ainda no ano de 1909 um marco simbólico de alvenaria pelo artesão Júlio Caetano onde foi gravado as coordenadas geográficas do local. Mais tarde foi erguido por sobre o marco original um obelisco de aproximadamente 20 metros de altura todo revestido em mármore branco.
Este obelisco foi erguido de forma a preservar o marco original, o qual se encontra hoje protegido por vidros, sendo plenamente visível. Quando o local ganhou o reconhecimento de Centro Geodésico da América do Sul, começou-se a vislumbrar a construção da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, no ano de 1972. Com a mudança do poder legislativo para o Centro Político Administrativo, em 2005, o local passa a sediar a Câmara Municipal de Cuiabá, até os dias atuais, sendo este o parlamento que reúne os representantes eleitos pelos cidadãos cuiabanos, responsável por estabelecer as leis que determinam a administração do município.

O ACONTECIMENTO
            A programação de lazer evolveu mais 100 pessoas, em sua maioria alunos do curso de Educação Física do Univag Centro Universitário, participaram das atividades de lazer adaptadas, sendo elas: voleibol, basquetebol, futebol e lutas.  As adaptações feitas possibilitaram transformar o espaço de jogo, readequação dos seus aparatos como: diminuição da altura da rede de voleibol, da tabela de basquetebol, as traves do futebol foram constituídas por objetos que serviram de marcação como garrafas pets e o tatame – área para a prática da modalidade lutas, foi diminuído e organizado com placas de material sintético.







                     





“Encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de civilização em que agora nos encontramos”. (HUIZINGA, 1980).
As atividades de lazer esportivo foram traduzidas em jogos e lutas, onde constituiu regras de tempo e de pontos, assim o participante se torna também o jogador.
Foram escolhidos 15 dos participantes, a partir da observação da maneira motivada que os mesmos se envolviam nas atividades, para comunicar verbalmente, através de entrevista, o sentido que eles atribuíam às atividades tendo como referência uma nova maneira de se viver na cidade.
As entrevistas foram registradas por uma câmera que captura imagens e som que registra fotos e vídeos e depois transcritas para que melhor fosse possível visualizar as informações prestadas.
E foi através da análise das falas dos participantes que chegamos a verificação de que é a partir da vivência interna que se torna possível, sensivelmente, resignificar outros modos de se viver na cidade.
As informações apontaram, em sua maioria, que desenvolvendo atividades que promovem situações de prazer, que não tem outro propósito a não ser o divertimento, é possível melhor sentir-se, sentir o outro e o que está ao seu redor.
Ah, enquanto eu jogo eu presto mais atenção em mim mesma, eu não tenho que me preocupar com os problemas [...] eu consigo até ouvir melhor o meu colega e até entender melhor ele.[...] Isso pode me ajudar a prestar mais atenção na cidade. (GI, 28 anos)

Então, nessas brincadeiras agente se diverte, brinca. Pode ficar mais tranquilo, olhar com mais calma para o dia, pensar melhor na gente, na vida. (CLA, 24anos)

Aqui a gente só pensa em se divertir, não tem que vencer ou ganhar dinheiro. Então eu pude me concentrar, acho um melhor estilo de vida. (RO, 27 anos)

[...] eu estudo já tem quase dois meses com aquele cara ali e nem tinha conversado direito com ele. [...] durante o jogo, ele estava no meu time, eu até achei ele divertido. Eu acertei uma bola nele e ele nem me xingou e olha que deve ter doido (MAR, 23 anos)

[... ] É uma atividade muito importante pois as pessoas podem interagir [...] pode até pensar em uma cidade onde o próximo pensa no próximo, do jeito que está, está difícil, mas o esporte aproxima as pessoas. (JOS,  43 anos)
Através dessas falas, podemos observar, também, a oportunidade de interações sociais, de vivências afetivas. E sendo o lazer “um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver [...] sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora [...]” (DUMAZEDIER, 1976, p.34), essas reações/interações podem ser esperadas nos sujeitos participantes de atividades de lazer.
A participação nas atividades também trouxe a oportunidade de ocupação de um local público, em um sentido diferente daquele esperado e previamente determinado para aquele ponto. Visto que ali situa-se a “casa” que representa o poder legislativo do município, responsável por elaborar leis e fiscalizar o trabalho do poder executivo da cidade.
Agente pode ocupar esse espaço aqui né, que é público [...] eu nem imaginava que dava para fazer essas atividades aqui. Mas foi bom, né. Dá pra pensar diferente sobre esse lugar (MAR, 23 anos)

[...] que eu nunca tinha participado disso, sabe, e assim, [...] eu nunca tinha imaginado também que poderia, assim,  no meio da cidade, agente podia fechar um espacinho para gente poder tá participando né, de atividade [...] então assim é uma oportunidade muito boa que a agente tem e teve e eu acho bem legal. (MA, 25 anos)
Essa ocupação tornou-se significativa a partir do desafio de revisitar a cidade, conferindo a outros pontos a possibilidade de realização de atividades de lazer, artísticas, recreativas. E que, assim, seja possível a revitalização de praças e demais locais urbanos a fim de se redefinir outro modo de estar na cidade, em uma reapropriação de determinados espaços urbanos pelos cidadãos, tendo em vista a retomada da utilização dos espaços públicos como forma de melhores condições de vida da população cuiabana, em que, a partir da ocupação popular desses espaços, surja o sentimento de necessidade de melhor atenção, cuidado do bem comum, que é a cidade, partindo, daí, para efetivas representações em ações sociais e políticas, aumentando a representação popular sobre o espaço urbano.


Referências Bibliográficos

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 11ª ed., 1998. Vol. 1: 674 p. (total: 1.330 p.)


DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976.


FONSECA, Maria de Lourdes Pereira. Padrões sociais e uso do espaço público Caderno CRH, Salvador, v. 18, n. 45, p. 377-394, Set./Dez. 2005.


GOMES, Christianne Luce. lazer urbano, contemporaneidade e educação das sensibilidades. Revista Itinerarium v.1 2008. Departamento de Turismo e Patrimônio – Escola de Museologia – Centro de Ciências Humanas e Sociais Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
http://www.seer.unirio.br/index.php/itinerarium (acesso em: 16/05/2016)


HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 4.




[1]“Cronistas da época asseguram que em 15 de novembro de 1913 foi inaugurado a primeira praça esportiva como forma de incentivo ao crescimento do esporte na cidade. O gramado ficava no Campo D’Ourique, onde atualmente se encontra a Praça Pascoal Moreira Cabral que abriga o marco do Centro Geodésico da América do Sul e a Câmara Municipal. O futebol começava a desbancar o “esporte” favorito na época, as touradas cuyiabanas”. (fonte: <http://www.mtnacopa.mt.gov.br/cuiaba/futebol-em-mato-grosso/historia-do-futebol-em-mato-grosso/7571. Acesso em: 12/05/2016).

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