Silvia Mara Davies¹
Este
ensaio apresenta reflexões acerca da ação realizada, intitulada “As ‘Crionças’
de João Sebastião”, que fez parte das
ações dos movimentos 100Em1Dia Cuiabá e do Cidade Possível. O 100Em1Dia é um movimento mundial que acredita na potencialidade da
iniciativa criativa e nas habilidades dos habitantes da cidade para melhorar os
modos de viver nela. Surgiu em Bogotá em 2012 espalhando por:
Kopenhagen, Toronto, Milão, Montreal, Santiago do Chile, Genebra, Cidade do
Cabo entre outras. No Brasil, Rio de Janeiro e Blumenau. Cuiabá foi a 3ª cidade
brasileira e a 28ª cidade do mundo a realizar o 100em1dia.
A ação foi idealizada e planejada pelo Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN) do Programa de Pós-Graduação em Educação ( PPGE) da UFMT e pela Casa de Cultura Silva Freire. Para tanto, também contou com a participação da comunidade escolar, das filhas do artista João Sebastião da Costa e discentes do Mestrado e Doutorado do Programa de Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT (ECCO).
A ação foi idealizada e planejada pelo Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN) do Programa de Pós-Graduação em Educação ( PPGE) da UFMT e pela Casa de Cultura Silva Freire. Para tanto, também contou com a participação da comunidade escolar, das filhas do artista João Sebastião da Costa e discentes do Mestrado e Doutorado do Programa de Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT (ECCO).
João Sebastião Francisco da
Costa (1949) se destaca entre as principais figuras no cenário artístico
mato-grossense desde 1960. Originário das classes sociais populares, suas
produções pictóricas são repletas de símbolos que remetem sua infância,
possuindo diversos elementos iconográficos, mitos e lendas que representam
cultura do Mato Grosso. Aline Figueiredo (1979) faz menção sobre a pintura do
artista dizendo: “A pintura de João Sebastião agrupa a diversidade da nossa
cultura. Seu tema, partindo de uma preocupação regional, aborda nosso
sincretismo religioso ligando o homem, santo, bicho e fruto.” (Figueiredo,
1979, p. 201)
O artista nasceu em Coxipó da Ponte, em 1949, na mesma região em que está
localizada a escola e residem as crianças participantes da ação. Pintor,
desenhista, escultor, figurinista e professor, trouxe para as suas produções
diversos símbolos guardados na memória, colocando-os presentes em suas
produções artísticas. Pincelou as suas telas a mais de quarenta anos,
representando a cultura popular cuiabana por meio de diversos símbolos
iconográficos. Estes signos variam desde imagens religiosas, a onça pintada, a
canoa sobre as águas, o caju, a viola de cocho, os potes de cerâmica e outros
mais. José Serafim Bertoloto descreve o artista:
Pode-se dizer que João Sebastião é o mais cuiabano dos artistas
plásticos, se considerar que ele incorpora e reproduz toda uma linguagem visual
dos elementos iconográficos e simbólicos da chamada Baixada Cuiabana. Seu
ecletismo produtivo vai desde a pintura em papel, tela e tecido, passando pela
cerâmica, na criação de santos e presépios, dentre outras peças de decoração e
adorno. Participou de vários carnavais em Cuiabá, na elaboração de temas, na
construção de carros alegóricos e de fantasias. (BERTOLOTO, 2006, p. 117)
A obra de João
Sebastião Francisco da Costa (1949) está fortemente permeada por memórias e signos que remetem a infância
vivida em Coxipó da Ponte, que na época era um pequeno povoado de Cuiabá, aonde
começou as suas primeiras atividades artísticas pintando peças do presépio de
barro que sua mãe dona Alexandra Barros da Costa (1915) confeccionava. Antes de
falecer (2016) o artista engajou o movimento “Maria Taquara”, que almejava a
revitalização da praça em que a escultura encontra-se. Diversos artistas se
envolveram na causa e participaram criando obras que foram expostas
homenageando-o em Cuiabá (2016).
A intervenção foi
pensada e planejada passo a passo pelo grupo, as ideias foram dialogadas e
definidas durantes as reuniões. A ação envolvendo a apresentação da obra do
artista percorreu várias etapas para ser realizada: A
primeira correspondeu ao contato com a escola, o pedido de autorização de
imagens, encontros com o grupo e definição da metodologia a ser utilizada. Em
segundo momento, ocorreram à seleção de imagens das obras do artista e a
separação dos materiais para serem utilizados na atividade artística com as
crianças. Foram separados gizes de cera coloridos, colas, tesouras, papéis de
diversas cores recortados com formas sinuosas e feitas bases de papel para
serem coladas as formas confeccionadas pelas crianças.
Figura 01:
Grupo reunido para a organização dos materiais e planejamento de atividades
Local: Sala do GPPIN, UFMT,
Cuiabá, 2016.
Foto: Silvia Mara Davies
Tendo em
vista que, a utilização de atividades lúdicas como
recurso didático pode contribuir para o aumento das possibilidades de
aprendizagem da criança, por meio das atividades artísticas, ela poderá
vivenciar situações de aprendizado, se expressando, interagindo com outras
crianças, aprendendo a se socializar.
A ação
“As ‘Crionças’ de João Sebastião” objetivava apresentar a história de vida e
obra do artista e desenvolver atividades plásticas como: desenho, colagem,
pintura e escultura. Essas atividades eram voltadas às crianças do terceiro ano
do ensino fundamental. O ponto de partida da ação/intervenção foi um convite
para a participação de uma “brincadeira” que transitava na imaginação. As
crianças ao adentrarem no espaço escolar foram acomodadas em
uma sala de aula, aonde foi explicada a atividade que seria realizada. Nesse
passo, o fio condutor a ser ligado na imaginação foi um convite para elas participarem
da brincadeira assim:
Crianças,
hoje a nossa manhã de domingo será totalmente diferente. Faremos uma
brincadeira que consiste em vocês virarem “crionças”, mas explicaremos como
isso acontecerá. Utilizaremos a imaginação, ninguém vai criar rabinho aqui
(risos) será através da imaginação, usando cores e recortes. Os adultos que
estão aqui irão ajudá-los a virarem “crionças”. Então vamos conhecer agora um
pouco do pintor que inventou essa brincadeira onde tudo pode virar onça e aí
vamos conversar com as pessoas que conviveram diretamente com esse grande
pintor. Elas vão contar para vocês como era a vida dele e em seguida a Silvia
Davies, que é uma grande pesquisadora das obras do João Sebastião, vai nos
mostrar alguns trabalhos do artista e como que ele fazia para que tudo virasse
ou nos remetesse a onça, em seguida será a vez de vocês, todas as crianças
utilizarão a imaginação através dos recortes que irão receber para criarem
objetos onde a onça também esteja presente. Tudo isso usando as habilidades de
cada um de vocês e por meio da diversão. Combinado? (Professora A).
Depois
do convite feito às crianças, as filhas do artista Alexandra e Érica, narraram em detalhes o cotidiano dele. Dizendo o quanto o pai
gostava de comer caju, o jeito brincalhão de ser, destacaram que os elementos
presentes na obra de João Sebastião da Costa representavam as memórias da infância. Alexandra Costa Aguiar (2016)² e Érica Costa Aguiar (2016)³, retrataram a
personalidade do pai dizendo:
[...]
ele tinha essa imaginação de por tudo onça, colocava a onça como gente, como
mulher, no pote com florzinha. (Alexandra C. Aguiar, 2016)
Ele
era determinado, às seis horas da manhã ele acordava, até as oito ele tinha que
tá trabalhando, tinha ora pra tudo! Das oito até às onze horas ele trabalhava,
descansava e aí fazer os desenhos no caderno, anotava certinho, ele fazia os
desenhos para passar para o quadro e para a tela. E ele era assim, muito legal,
um super massa e de vez em quando se vestia que nem a Maria Taquara, você
olhava assim, ele estava vestido como a Maria Taquara, com uma coisa na cabeça,
com uma fantasia. Ele teve uma infância muito boa, a imaginação dele a gente
convivia com isso. (Érica C. Aguiar, 2016)
A partir destas narrativas, foram
expostas imagens de diversas obras buscando-se encontrar elementos que
remetessem as memórias vivenciadas por ele, desta forma, buscando fazer uma conexão com o meio em
que elas vivem. Em seguida, as crianças foram convidadas novamente a continuar
a brincadeira, que desta vez estava relacionada com atividades artísticas.
Figura 02: Apresentação de imagens das
obras do artista
Foto: Silvia Mara Davies
Assim, as crianças
foram desenhando, colorindo os papéis, cortando, recortando e colando. Contudo,
foram vivenciando momentos de descontração em que a liberdade criativa pairava
no ar. Confeccionaram muitos desenhos coloridos, sobrepondo formas sobre
formas, ao final colaram as produções em bases de papel, construindo diversas
esculturas.
Sobre uma perspectiva
de que o instrumento é o prolongamento da mão e o mundo é o prolongamento do
corpo. Em termos de análise, poder-se-ia afirmar, seguindo o pensamento de
Edith Derdyk (2010) que: “A relação física e sensorial que a criança estabelece
com o desenho possibilita a experiência de novas realidades.” (Derdyk, 2010, p.
58)
Figura 03: Crianças realizando atividades
artísticas com os materiais
Local: Escola E. M. Silva Freire, Cuiabá, 2016
Foto: Silvia Mara Davies
Foto: Silvia Mara Davies
A
princípio as esculturas confeccionadas durante a atividade deveriam ficar
expostas na escola para a comunidade escolar. Porém, as crianças quiseram levar
para casa. Esse é, portanto, um detalhe que nos mostra a relação que se dá entre
a obra e o artista, que neste caso era a criança. Faz-se importante também assinalar que Edith
Derdyk ( 2010) afirma que “O desenho é a manifestação de uma necessidade vital da
criança: agir sobre o mundo que a cerca, intercambiar, comunicar.” (Derdyk, 2010,
p. 4)
Figura 04: Confecção de objetos artísticos feitos pelas crianças
Local: Escola E. M. Silva Freire,
Cuiabá, 2016.
Foto:
Silvia Mara Davies
As atividades envolvendo a ludicidade oportunizam
momentos em que a criança brinque sem pressões, estimulam as capacidades de concentração
e atenção. Favorecem o equilíbrio emocional para o desenvolvimento da
sociabilidade e da criatividade. A cerca de como ocorrem os processos criativos, Fayga Ostrower (2010) destaca que:
A
natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural. Todo indivíduo se
desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e valorações
culturais se moldam os próprios valores de vida. No indivíduo confrontam-se,
por assim dizer, dois polos de uma mesma relação: a sua criatividade que
representa as potencialidades de um ser único, e sua criação que será a
realização dessas potencialidades já dentro do quadro de determinada cultura. (OSTROWER, 2010, p. 5)
O
termo lúdico vem do latim-Ludos e traduz-se por jogo enquanto componente do
comportamento humano. O momento lúdico de aprendizagem, envolvendo atividades
de jogos e brincadeiras, é onde a criança brinca livremente estimulando sua
criatividade, o desenvolvimento de suas habilidades motrizes, imaginativas e
cognitivas.
Figura 05: Escultura confeccionada na
atividade artística
Local:
Escola E. M. Silva Freire, Cuiabá, 2016.
Foto:
Silvia Mara Davies
Figura 06: Finalização e exposição das
obras de artes
Local:
Escola E. M. Silva Freire, Cuiabá, 2016.
Segundo Kishimoto (2008) o jogo contempla
várias formas de representação da criança ou suas múltiplas inteligências,
contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Quando as
situações lúdicas são intencionalmente criadas pelos adultos com vistas a
estimular certos tipos de aprendizagem, surge a dimensão educativa. Utilizar o
jogo na educação infantil significa transportar para o campo do
ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento. O ato de brincar, jogar, valorizando
o brinquedo, ocasiona o desenvolvimento intelectual, emocional, imaginativo e
social, sendo uns ótimos recursos em sala de aula para abordar conteúdos.
Entre as pinturas projetadas na parede, uma
chamou muito a atenção. No primeiro plano tinha uma canoa sobre o rio, que
carregava uma onça com rosto de mulher, trazia junto também diversos elementos como
frutas, potes de cerâmica, que remetiam as lembranças do artista e da região de
Coxipó da Ponte.
Ações
como “As ‘crionças’ de João Sebastião” devem ser repetidas muitas e muitas
vezes, a fim de mudar e alegrar o cotidiano da cidade. Considero a escolha do
artista maravilhosa, uma união perfeita que veio a alegrar e colorir uma manhã
de domingo. Lembranças vivenciadas pelas
crianças que por um momento se tornaram “crionças”,
com toda certeza serão guardadas no Baú das memórias que todos nós possuímos. E aquela manhã de domingo foi para a cidade, para o bairro e para a comunidade
escolar, um momento especial repleto de alegria através das obras do artista João Sebastião Francisco da Costa.
BERTOLOTO, José Serafim. Iconografia das águas: o rio e suas imagens.
Cuiabá, Mato Grosso: ed. Catedral, 2006.
DERDIKY, Edithy. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil.
4ª ed. Porto alegre: ed. Porto Alegre, 2010.
FERRAZ, Maria Heloísa C. de T. Maria F.
de Rezende e Fusari. Metodologia do
ensino da arte. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.
FIGUEIREDO, Aline. Artes plásticas no Centro-Oeste Cuiabá: UFMT/MACP, 1979.
KISHIMOTO, Tisuko M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2008. P. 133-141.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e
processos de criação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
_________________________________________________________________________________
[ 1 ] Docente em Artes no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso-Campus Sorriso (IFMT); Mestranda do Programa de Pós-Graduação Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Cuiabá.
[ 2-3 ] Relatos realizados pelas filhas de João Sebastião Francisco da Costa Alexandra Costa Aguiar e Érica Costa Aguiar durante a intervenção " As 'crionças' de João Sebastião", Cuiabá, 3 de abril de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário